Ana Maria Tepedino

Fé: a atitude essencial

Ana Maria Tepedino

Introdução
Há momentos na vida que nos impactam no mais profundo do nosso ser. Parece que um terremoto passou pela nossa cabeça.

Eu me sentia uma pessoa saudável. Alimentação sadia, caminhava, fazia musculação. Não sentia dores, nada. Às vezes, parecia que engolia fora do lugar, comia mais devagar. Depois apareceu um inchaço abaixo do pescoço. Como tive um problema de hipertireoidismo há anos, minha filha começou a insistir para que eu investigasse. Aí começou uma peregrinação a médicos, iniciando pela tireoide, onde havia nódulos benignos, mas, depois de várias punções, descobriu-se que um se tornou maligno e penetrou na traqueia, o que culminou com o veredicto: “carcinoma na tireoide e na traqueia”.

Isso foi um violentíssimo soco no estômago. Esse foi, sim, um verdadeiro “nó na garganta”, porque ali estava alojada a doença. A gente perde a fala, perde o chão, deixa de ver e de escutar. Mas engoli as lágrimas. Há poucos dias, minha filha me confidenciou que, à ocasião, perguntei ao médico se o câncer era “violento, muito invasivo”, ao que ele respondeu: “Sim”, mas eu não escutei, criei um mecanismo de defesa para não escutar, porque havia fechado os olhos e dizia para mim mesma: vai dar tudo certo! Tal frase tenho dito muitas e muitas vezes na minha vida. Esperança e otimismo nos infundem uma coragem que desconhecemos, mas é importantíssimo para enfrentar o tratamento.

De uns anos para cá, essa atitude tem sido o meu lema. Enfrentar as situações que surgem, com esperança, com determinação, superando os meus medos. Enfim, positivar a vida.

Na verdade, a vida é surpreendente, e nela acontecem coisas boas e ruins, algumas contundentes. Não resta outra atitude, senão, enfrentar, buscando apoio e coragem bem no interior da gente, onde mora Deus, onde encontramos Deus. Comecei a rezar e a recordar fatos que aconteceram havia muito tempo. Tudo que ocorre conosco tem um significado, que muitas vezes não percebemos no momento em que os vivemos.

Há uns 20 anos, uma amiga me pediu que eu fosse à casa dela para fazer um almoço para outras amigas que haviam tido variados tipos de câncer e superaram, porque lutaram, brigaram, xingaram; enfim, se defenderam com coragem daquele terremoto. Seu testemunho otimista e cheio de esperança, sua atitude positiva e cheia de fé me serviram de lição no momento atual. Impressionante é que essa lembrança estava guardada dentro de mim para o momento oportuno, para quando dele precisasse. E agora precisei.

Eu sempre ensinei aos meus alunos que em latim existem duas palavras para “alegria”: a gaudium e a laetitia. A laetitia é a alegria das brincadeiras, das piadas, dos momentos bons, mas que a gente perde diante do sofrimento. Já a gaudium é a alegria profunda por ter uma fé, um projeto de existência, algo que norteia a vida, uma direção que você imprime e que nada nos faz perder. No meu caso, a fé cristã. Nos momentos difíceis, tal realidade está sempre em primeiro lugar. Quando soube da doença, havia dias em que amanhecia alegre, muita gente me olhava como se eu fosse louca, ou como se eu não soubesse qual era a minha doença.

I – 1ª fase: O veredicto e o tratamento
Depois do veredicto, passei um tempo ansiosa, sem definição: ia ser operada? Fazer quimioterapia? Fazer radioterapia? Finalmente, decidiram-se pela radioterapia.

Nesse momento, meu dentista, que já tivera câncer, me deu um ótimo conselho: “Muita gente vai te indicar excelentes oncologistas, que consideram os melhores, porque as curaram. Escute tudo, agradecida, depois decida, e, quando decidir, o seu médico é o ‘melhor do mundo’, só ele você vai escutar”. Vi muitas pessoas sofrerem muito, no meio do caminho, porque ficam inseguras e vão a vários médicos, para conhecer outras opiniões. Erro terrível! Vi diversas pessoas comentando, na sala de espera da radioterapia, que queriam a opinião de outros profissionais. Isso é péssimo! Depois da nossa decisão, é seguir em frente, com fé, determinação, coragem e esperança.

A fé é a fonte que nos traz paz, coragem, determinação e nos potencializa para a superação. Nos momentos difíceis, essa realidade aparece como luz a indicar o caminho e não nos deixa desanimar, duvidar; ela nos faz seguir em frente. Essa confiança está sempre em primeiro lugar, sobretudo nos momentos mais difíceis do processo de radioterapia, quando se começa a ficar queimada; quando o pescoço fica todo ferido; quando se perde o paladar e sente-se gosto de ferro derretido em todos os alimentos; quando se fica absolutamente esgotada, dando coragem para não parar e continuar firme até o fim. Sentia a presença de Deus me abraçando, me amparando, me sustentando, me dando alento.

Meu sustento vinha dos tempos de oração, quando sentia a proximidade de Deus, dando-me a certeza de que ficaria boa, pois para ele nada é impossível. Outra experiência fundamental no processo que vivenciei foi o amor, o carinho e o cuidado dos meus filhos, que me cercaram e me colocaram como num ninho. Esse foi o lado bom, isto é, perceber que amadureceram com o meu sofrimento, que sofriam comigo, mas me animavam e não me deixaram em nenhum momento sozinha. Muitas pessoas rezaram por mim; essa oração de meus amigos, amigas e parentes me ajudou muito. E tudo isso me proporcionava a certeza de que Deus estava comigo e segurava minha mão quando a barra estava muito pesada.

A atenção, o cuidado, o carinho de todos – desde médicos, enfermeiros, ajudantes, recepcionistas do COI – são o bálsamo nas horas difíceis que ali vivemos. Por isso, sempre digo: o COI é um milagre.

Lindo também é sentir o carinho das pessoas através de visitas, telefonemas, e-mails, de uma mensagem no WhatsApp. O sofrimento tem essa capacidade de provocar as pessoas a expressarem seu afeto, o que nos emociona com um vento de ternura que ajuda muito nessa hora em que estamos tão frágeis!

Uma das coisas mais emocionantes que vivi, no “-1” (?) do COI, onde fazíamos a radioterapia, foi a experiência de igualdade, que nos irmanava entre todos. Nós dizíamos que éramos os “-1” na vida, mas nossa luta contra o câncer nos fazia realmente iguais, fazia que emergisse o mais humano em nós e entre nós. Pessoas as mais diferentes, juntas, todos e todas igualmente lascados, se abriam à solidariedade, à ajuda mútua, `a partilha do que cada um vivia, ou já havia vivido, e se encorajavam entre si. Emocionante! Quando a pele do meu pescoço ficou ferida, em carne viva, sangrando, todos vinham me dizer uma palavra, fazer um carinho, dar um incentivo, uma atenção. Às vezes, quando o aparelho quebrava ou dava defeito, aparecia alguém com senso de humor, como o Roberto Cabral, que transformava e animava o ambiente tenso.

II – 2ª fase: A recuperação
Durante a irradiação, você sente o desconforto horrível da máscara, da boca parecendo ferro derretido, da pele que rasga e sangra. Chega-se ao esgotamento físico, mas se aguenta firme, já que se tem uma meta a alcançar: acabar o tratamento, mesmo que seja muito difícil! Na última semana, chega-se ao esgotamento. Toda a energia está gasta. E não se está preparada para o processo seguinte: a recuperação.

Na radioterapia, o tempo pior vem depois da irradiação. Esta nos exaure totalmente. A pessoa já está exausta, fragilizada fisicamente, sem energia, sem vontade de comer, mas com a cabeça cheia de planos, e não consegue fazer nada. Perde a voz, tem tremores como se tivesse febre, tosse constante, enjoos, vômitos, a boca cheia de sangue. Isso ocorreu comigo – me sentia muito mal, muito fraca, não conseguia andar nem três metros; estava desanimada, não parecia melhorar.

Aí, é preciso muita determinação e fé, acreditar com esperança, e, num certo momento, eu senti a força de Deus, que fez virar essa realidade, e comecei a melhorar e a sentir as coisas de outra forma.

III – 3ª fase: A cura
Agora, nova fase, quase três meses depois do fim da radioterapia, que durou dois meses, tive de realizar outra série de exames, e o veredicto foi: “Está curada”. Não existe mais tumor na minha tireoide nem na traqueia.

Foi difícil de expressar a minha alegria, felicidade e agradecimento a Deus pelo acontecimento. Não conseguia dormir, rezando e agradecendo.

Na Páscoa, celebra-se a Ressurreição de Jesus, e eu sentia que também ia ressuscitar, ia ficar boa. Eu tinha rezado junto com o profeta Jeremias a invocação, pedindo: “Curai-me e serei curada”! “Salvai-me e serei salva!”.

Essas pequenas frases ajudam a entrar em outro jeito de orar. Há alguns anos, li um livro muito inspirador sobre oração, no qual o personagem relata de forma simples o poder da oração. Uma tradição oriental que enfatiza o poder da oração do coração, em que se procura deixar de lado as muitas palavras e entrar numa oração mais silenciosa, que leva à paz.

Agora, oito meses depois do fim da radioterapia, curada do câncer, o processo de recuperação continua difícil e penoso, mas é pequeno diante do perigo que corri anteriormente.

O importante é que somos sobreviventes, ou, como dizem no COI, somos super-humanos!

Professora emérita de Teologia da PUC-Rio.

Anônimo, relatos de um peregrino russo. São Paulo: Paulus, 1986 (col. “A oração dos pobres”).